A história da familia Bolsoni no Rio Grande do Sul - Brasil
A história inicia-se no século XIX, quando ocorreram grandes modificações políticas e econômicas na Europa. Terminadas as guerras napoleônicas, o Congresso de Viena (1814/1815) estabeleceu arbitrariamente novos estados, formas de governo e alianças, sem levar em conta a opinião dos povos a eles submetidos. A
Assim, a Itália viu-se dividida em sete estados soberanos e, como conseqüência, houve o surgimento do ideal de unificação, a qual foi obtida apenas em 1870, graças a Vitor Emanuel II, ao primeiro-ministro Cavour e ao herói da Revolução Farroupilha, Giuseppe Garibaldi.
Terminada a luta, o sonho de paz e prosperidade foi substituído por uma dura realidade: batalhões de desempregados e de camponeses sem terras, que não tinham como sustentar sua família. Ex-proprietários e comerciantes foram transformados em trabalhadores braçais sem teto. E o governo italiano por sua vez punia, expulsava e até deportava. Sob chuva e neve, o povo sofria e era enxotado pelo Estado.
"O salário dos camponeses (em 1877 na Itália) era de uma lira por dia, chegando até a duas liras por ocasião da colheita ou de outros trabalhos pesados, importância esta insuficiente para manter uma família por menor que fosse".
Era muito natural camponeses procurarem trabalho nos países vizinhos Alemanha, Áustria, Suíça, voltando desanimados. A solução era vender o que possuíam para comprar a passagem marítima da Itália ao Brasil.
"O preço
da passagem variava naquela época de
Em cidades como Gênova e Nápoli os portos se aglomeravam com multidões querendo sair do País, pois tinham eles notícia de um lugar chamado América onde tinha condições de trabalhar e fazer a vida, imagem esta vendida pelos agentes das alfândegas (brasileiros inclusive iam para a Itália com este propósito) que lucravam com a exportação de "mão de obra" barata (ou escrava). Analfabetos e inexperientes o povo que queria sair do país chegava dias antes da partida com tudo que podiam carregar. Muitos deles viajaram a pé cruzando o norte da Itália sob um rigoroso inverno para pegar navios que prometiam passagens grátis para o Brasil. Eram fiscalizados rigorosamente pelos agentes que procuravam bens valiosos proibidos que não podiam sair do País, geralmente bens de família em ouro e prata.
Ao saírem não tinham registro oficial de embarque ou origem. Documentos de identidade também ficavam. Eram embarcados no navio que recebia o valor da passagem das organizações que promovia a imigração. Há quem considere estes navios a "Nau dos Excluídos", despatriados.
Nestes navios era comum ter famílias com um filho mais fraco que acabava morrendo. A viagem não era fácil. O corpo era simplesmente jogado ao mar sem serviço fúnebre nem nada. No navio dos "desprezados" não havia padres ou outros recursos. A travessia atlântica era penosa e havia casos de epidemias e naufrágios.
Muitos não cumpriam os requisitos para partir e eram rejeitados na saída e ficavam no porto. Na verdade tinha que seguir para o Brasil gente forte prá guentar o trabalho braçal e suportar também a viagem.
Na chegada era vez de nova conferência de bagagem prá ver se havia bens de valor que quase sempre era requisitado.
Sem documentação e alguns muitas vezes analfabetos, era comum a anotação dos nomes e sobrenomes serem trocados ou anotados errados. Muitas famílias chegavam a perder suas origens e raízes. Hoje milhares de descendentes destes imigrantes italianos procuram na Itália seus parentes, tentando saber sobre o seu passado, sua identidade perdida.
Em 1871 o governo brasileiro cria a lei que permite a emissão de apólices de até 600 contos de réis para auxiliar no pagamento das passagens e no adiantamento de 20 mil-réis a cada família imigrante (há quem diga que se aproveitou até com certa cumplicidade quanto ao escravagismo).
O nosso governo recrutou a primeira leva de famílias italianas para o Estado de São Paulo com a finalidade de substituir a mão-de-obra escrava nos cafezais. Os Italianos deixando a chuva e neve da terra deles agora enfrentavam a garoa de São Paulo e a cerração dos Estados do Sul. A situação era terrível para esses imigrantes, que eram considerados “escravos brancos”. Por não quererem se sujeitar a condições sub-humanas dormindo diversas famílias em um mesmo casebre e amontoados de quatro a seis em colchões de palha e sem escola para os filhos, muitos retornaram à Itália (quando conseguiam), pior do que partiram, desencantados com a América.
Na apropriação do excedente criado pelos imigrantes, os fazendeiros eram limitados apenas por sua imaginação. Os relatórios da época estão repletos, por exemplo, de inúmeros casos de multas arbitrárias lançadas contra os colonos como método rápido para reduzir os seus salários. “Vendas” da própria fazenda, confisco diretos, pesos e medidas ilegais e o mero não-pagamento de salários eram mecanismos pelos fazendeiros com considerável freqüência. Quase todas as fazendas tinham o seu próprio bando de capangas, encarregados de executar as vontades do fazendeiro e fiscalizar, entre outras coisas, a entrada e saída dos colonos nas fazendas. A violência física era um componente fundamental do sistema; os relatórios consulares e os jornais da colônia italiana da época relatam centenas de casos. É desnecessário frisar que os imigrantes não dispunham de recurso legal nesses casos. Por exemplo, um funcionário italiano chegou ao extremo de declarar, em 1908, que não acreditava “que os anais judiciários do Estado de São Paulo mencionem um caso, um único que fosse, de fazendeiro que tendo espancado um colono tenha sido punido legalmente”.
Foi registrado na época também muitos casos de doença mental e alcoolismo causados por toda esta situação.
A porta de entrada a todo e qualquer imigrante no Brasil, procedente da Europa, era, obrigatoriamente, a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
Todo e qualquer estrangeiro que viesse ao Brasil na condição de Imigrante, era desembarcado na Ilha das Flores. Alí, após os devidos registros em livros próprios da política de colonização e imigração, os estrangeiros eram submetidos a exame médico. A permanência dos estrangeiros na Ilha das Flores dependia do estado de saúde: de dois a quatro dias aos sadios, e os portadores de alguma doença infecto-contagiosa permaneciam em regime de quarentena.
No final do século XIX, o Rio Grande do Sul, seguindo as políticas nacionais e mesmo provinciais de incentivo ao processo de colonização recebeu milhares de imigrantes, especialmente italianos estabelecidos na região nordeste do Estado. As primeiras colônias criadas - Dona Isabel, Caxias e Conde d´Eu, correspondem, atualmente aos municípios de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Santa Teresa, Caxias do Sul, Garibaldi, Farroupilha e Carlos Barbosa. As produções historiográficas relativas a imigração italiana para o Estado são muitas e, em sua maioria ratificam o discurso de que aqueles grupos ordeiros, trabalhadores construíram do 'nada' grandes centros econômicos, graças a sua perseverança e religiosidade.
Muitas crianças, em fins do século XIX, iam até a escola de pés descalços, enfrentando o frio, a geada, a chuva e percorrendo a pé longas distâncias. Não havia comodidades. Pelo contrário, algumas delas precisavam cumprir tarefas domésticas antes de irem para a escola e muitos foram os que deixaram de estudar para auxiliarem os pais na "lida" da roça. Os que conseguiam freqüentar alguns anos de escola seguiam para a mesma carregando numa pequena bolsa de tecido, os parcos materiais de estudo: a "pedra", a pena e, por vezes, o lanche.
"Mandar os filhos à escola era um peso para a economia da família. Em primeiro lugar, era necessário comprar o material escolar, o vestuário que representava elevada despesa, visto as poucas fontes de renda. Muitos pagavam os estudos com produtos da lavoura: arroz, batata, feijão... A perda da mão-de-obra era outra razão que impedia os pais de enviarem os filhos à escola. A experiência ensinara que a vida era possível, mesmo sem estudo. Compreende-se o pouco apreço pelo estudo que não se apresentava como instrumento de solução imediata de problemas; nem como meio para um futuro feliz da família dos imigrantes. A autêntica segurança era a terra, pois dela, podia-se obter a produção necessária à própria sobrevivência."
As escolas, no entender de muitos estudiosos e pesquisadores da imigração italiana no Rio Grande do Sul não se constituíram em elemento privilegiado para aqueles colonos. As publicações e discursos naturalizados dão conta de que o imigrante italiano pouco teria se importado com a instrução de seus filhos e que, eles próprios em sua maioria, seriam analfabetos. Entretanto, ao consultar fontes primárias como o primeiro recenseamento realizado nas Colônias Conde d'Eu e Dona Isabel, no ano de 1883, percebe-se que especialmente homens, declararam em sua grande maioria serem alfabetizados, perfazendo uma média de 74% dos homens adultos. A partir do levantamento dos Mapas Estatísticos da Colônia Caxias "63% dos imigrantes de sexo masculino sabiam ler, enquanto apenas 37% das mulheres eram alfabetizadas."
Os dados levam a crer que o índice de analfabetismo multiplicou-se nas colônias entre os filhos de imigrantes, que não tinham onde estudar.
Válido lembrar que as colônias da Serra Gaúcha foram ocupadas por italianos provenientes em sua maioria da regiões do norte da Itália, onde as políticas públicas desde muito se preocupavam com o processo de escolarização. Na região de Trento, em 1880, as pessoas analfabetas com mais de 6 anos de idade eram cerca de 14,5% do total da população sendo 12% entre homens e 16% entre as mulheres. A obrigação de frequência escolar dos 6 aos 12 anos estava em vigor desde 1774 e foi estendida a obrigatoriedade até os 14 anos em 1869. Certamente não migraram para a Região Colonial Italiana apenas trentinos mas, a situação escolar assemelhava-se nas demais regiões do norte, em especial aquelas que estiveram sob domínio Austro-Húngaro.
As iniciativas para o desenvolvimento da instituição escolar precisam ser compreendidas dentro do contexto histórico e cultural em que se processou a ocupação daquelas regiões. É necessário recordar ainda que a educação dos indivíduos era concebida como responsabilidade e ação dos princípios familiares, religiosos bem como os escolares.
Observando
a legislação que orientou a ocupação das colônias temos o Regulamento de
1867 como normatizador. Este regulamento determinava, como função pública, a criação de escolas
nos núcleos coloniais. As poucas escolas criadas nas colônias atendiam apenas às
crianças que viviam nas proximidades. As demais cresciam em plena "ignorância
da arte escrita", relatavam as autoridades.
Para compreender as diferentes iniciativas e modalidades escolares do período
de
Durante
a década de
Para solucionar essas dificuldades, o Governo passou a incentivar a criação de aulas particulares, através de seu órgão, a Inspetoria Especial de Terras e Colonização. O ofício de julho de 1878, comunicava aos diretores das colônias que o Governo deixara o estabelecimento das aulas para a iniciativa dos particulares. Entretanto, continuava contribuindo com 25$000 mensais quando o número de alunos passasse de 15, e mais 1$000 por cada aluno que ultrapassasse esse número, contanto que não excedesse a importância com que abonava os professores nomeados. No ano anterior, em 6 de agosto de 1877, o Ministro da Agricultura mandara um aviso comunicando aos professores particulares existentes ou aos que se estabelecessem nas colônias que os diretores também deveriam providenciar a construção das escolas, se houvesse mais de trinta alunos.
Neste sentido, existiram muitas iniciativas por parte dos próprios pais e da comunidade que criava “aulas” onde o professor era pago para que ministrasse os conhecimentos básicos na leitura, escrita e cálculos.
"A absoluta falta de escolas do Governo Brasileiro obrigava o colono a escolher as pessoas mais aptas para ensinar a ler, escrever e fazer contas àquela mocidade toda, sob pena de criarem-se na maior ignorância, verdadeiramente analfabetos. Precisavam então conformar-se com o melhor que houvesse, pois não eram professores formados os que iam lecionar, mas sim os que, na Itália, tivessem recebido uma razoável instrução e que, mediante módica retribuição, se sujeitassem a desempenhar a árdua tarefa de mestre, o que procuravam fazer da melhor maneira."
Entre os imigrantes havia alguns professores com formação em sua terra natal, mas seu número era insuficiente para suprir a carência / necessidade de escolas. "... entre os imigrantes da Colônia Caxias, apenas quatro se identificaram como professores, sendo os responsáveis pelas primeiras escolas particulares regionais. Foram eles Giacomo Paternoster, Abramo Pezzi, Clemente Fonini e Marcos Martini."
Essas iniciativas foram muito comuns no interior das colônias. Diversos foram os casos em que as famílias de imigrantes uniram-se para empreenderem em mutirão a construção da escola, geralmente uma pequena casa de madeira rústica, apesar de, nos primeiros tempos estas aulas terem funcionado na própria casa do professor ou na casa das crianças.
Já nas primeiras décadas do século XX estas aulas foram desaparecendo pela dificuldade dos pais manterem o investimento (em especial pelo elevado número de filhos), pelo crescimento de ofertas de escolas de outras modalidades ou pela própria desistência do professor mediante parcas remunerações (o que por vezes era feito em espécie - feijão, trigo, milho...).
As autoridades italianas, como os cônsules, preocupavam-se com a falta quase absoluta de instrução nos núcleos coloniais. É possível encontrar em todos os relatórios consulares registros que retratam a situação das colônias mencionando a falta de escolas e a necessidade do governo italiano intervir, passando a apoiar a educação, enviando livros e material escolar.
Enrico Perrod, cônsul italiano em Porto Alegre escrevia em seu relatório de 1883 que sua visita às colônias da serra tinham como um dos intuitos principais formar um juízo do estado intelectual e das aspirações que nutriam quanto à instrução aqueles colonos. Enumera que os colonos lhe fizeram, em sua visita, dois pedidos apenas: estradas e escolas, já que o que estes podiam fazer a respeito já o tinham feito. Referindo-se aos custos para a instrução, constatava que os valores eram elevados:
Perrod afirmava que seria uma calamidade permitir que a instrução elementar se extinguisse nas colônias e, nada havia de se esperar das escolas brasileiras já que as aflições e lamentos em relação àquelas eram constantes por parte dos colonos. E, referindo-se exclusivamente à colônia Dona Isabel, informava:
"Em Dona Isabel há uma escola pública onde leciona uma senhora, mas a maior parte dos pais retiram dela seus filhos, e os enviam para a de um professor italiano, de quem vi o diploma de licença ginasial, e outros certificados de elogio dados pelas autoridades municipais italianas. Cada criança paga mensalmente 1 mil réis para frequentar as aulas. Na Linha Palmeiro há também uma escola, mantida com grandes dificuldades pelos próprios colonos. O professor chama-se Santo Bolzoni. Dele também vi os diplomas e certificados recebidos das autoridades municipais italianas. Na verdade, é desoladora a situação destes professores. Sabem que são mais cultos, e mesmo assim, embora trabalhem tanto quanto os demais colonos, encontram-se na impossibilidade de fazer a menor economia. Conseguem apenas sobreviver, enquanto muitos de seus concidadãos, em breve tempo, conseguem um modesto patrimônio. De outro lado, como estes concidadãos jamais pagaram diretamente o professor, agora fazem dificuldades em tirar de suas duras fadigas uns 60 ou 70 francos anuais para a instrução de um filho, ou 150 francos, para quem possui mais de um."
As autoridades italianas buscavam incentivar a criação de escolas pela iniciativa dos colonos. Em 1882, haviam criado, em Dona Isabel, a Sociedade Artística de Mútuo Socorro, que contava inicialmente com 40 sócios. Através do incentivo de Enrico Perrod, em 1883, no ano seguinte surgiu uma escola italiana.
"Seu primeiro mestre foi o senhor Isidoro Cavedon, que residia na Linha Santa Eulália e o Inspetor Escolar era o Reverendo Padre João Menegotto, pároco local (...) Devido, ao ordenado mínimo que lhe era outorgado, e também à distância que o separava da família, pouco depois pediu sua demissão sendo substituído pelo senhor Santo Bolzoni."
* Sentado, a direita, o professor Santo Bolzoni. De pé, a esquerda, João Bolzoni.
* Túmulo de Santo Bolzoni e João Bolzoni (pai e filho) em Veranópolis
Odilo Santo Bolsoni era o filho mais moço de João Bolzoni.
Jorge Irigoyen Bolsoni é o filho mais velho de Odilo Santo Bolsoni. Nasceu em 1951, em Livramento, mas cresceu na zona rural de Porto Alegre, especificamente nas cercanias das chácaras de 3 Figueiras e do Iguatemi (os bois mudaram...). Nos anos 60 formou-se no Instituto de Educação e no Colégio de Aplicação. Nos anos 70 foi aventureiro, mochileiro e ripe. Nos anos 80 formou-se engenheiro na UFRGS e trabalhou na informatização e automatização do Grupo Gerdau, em Porto Alegre. Nos anos 90, em Gravataí, informatizou e automatizou o Grupo Trafo. A partir de 2003 em Gravataí - RGS, onde reside atualmente, dedica-se ao ensino (como seu bisavô), bem como a pesquisas e estudos internéticos.
Nhana, Peu, Quim e Joi Salada Bolsoni são filhos de Jorge Irigoyen Bolsoni.
[bibliografia - LORENZONI, Júlio. Memórias
de um imigrante italiano. Porto Alegre: PUCRS / Sulina, 1975. p. 123
e 124.]
[fotografias - Odilo Santo Bolsoni]